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Traduzindo música – O princípio do pentatlo de Peter Low

Extraído da obra Tradução e música: versões cantáveis de canções populares (2015) de Adriana Fiuza Meinberg
Editado e adaptado por Rafael Oliveira
Em 11/06/2020

O professor neozelandês Peter Low desenvolveu um modelo teórico para se traduzir uma versão cantável denominada como “Princípio do pentatlo”, que utiliza cinco critérios. Assim como no pentatlo olímpio, cada um desses critérios é uma prova na qual o versionista precisa tentar fazer o seu melhor, mas é importante estar ciente de que talvez seja preciso favorecer algumas provas em detrimento de outras, mas sempre pensando no bem resultado da competição como um todo.

Estes cinco critérios são: cantabilidade, sentido, naturalidade, ritmo e rima.

Cantabilidade

É preciso lembrar que a versão deve ser feita para ser apresentada, não lida. O versionista precisa levar em consideração problemas como a dicção e a prosódia musical (mantendo as sílabas tônicas nos tempos fortes da música). As vogais originais em notas longas ou agudas normalmente favorecem o cantor, e devem ser preservadas sempre que possível.

Em se tratando de teatro musical, vale também lembrar que a plateia costuma ouvir a letra uma única vez. Nas palavras de Stephen Sondheim: “A letra de música deve existir no tempo. O ouvinte não consegue fazer o que o leitor de poesia faz. Não pode determinar a velocidade da leitura e não pode reler a frase. Por isso, a letra da canção deve ser absolutamente clara no momento em que é cantada e o letrista deve se certificar disso. Criar frases que possam entrar no ouvido.”[1]

Sentido

Um dos aspectos mais facilmente observados pelo público que conhece a letra original da canção, trata de manter o máximo possível o que se conta na canção original. Para se encaixar nas rimas, na melodia e no ritmo original, é inevitável que palavras sejam manipuladas, mas o versionista deve se manter na semântica do original.

Diferente da versão de uma canção popular, que possui mais liberdade, no teatro musical este aspecto deve ser observado com mais cuidado, pois existe uma história a ser contada e ela deve ser respeitada.

Naturalidade

A versão precisa soar natural, como se ela tivesse sido criada para aquela melodia desde o princípio. Quem não conhece o original não deve perceber que se trata de uma versão. Para isto, o versionista precisa escolher bem as palavras, respeitar a ordem dos termos da oração (evitar falar “de você eu gosto” ao invés de “eu gosto de você”) e procurar imitar a fala sempre que possível, utilizando-se, por exemplo, das elisões silábicas que usamos na língua falada (falar “d’água” ao invés de “de água” e “tenhuma” ao invés de “tenho uma”, por exemplo).

No teatro musical, deve-se levar em consideração também o que soaria natural para aquele personagem específico. A versão precisa estar condizente com o nível de educação, condição financeira, época e lugar onde vive (para citar alguns) de forma com que possamos acreditar que aquele personagem esteja realmente dizendo (e sentindo!) aquilo. O gênero musical e o estilo da canção também precisam ser observados.

Ritmo

Deve-se respeitar a métrica e a prosódia da canção original, os tempos fortes precisam estar nos mesmos lugares. Ao se acrescentar sílabas teremos que acrescentar notas na melodia, mudando a composição original, o que não é muito bem-vindo.

Deve-se observar que, por vezes, uma palavra chave ocupa o tempo forte do compasso justamente para que ela tenha uma ênfase que pode ser importante para a história. Este tipo de efeito, quando presente, precisa ser analisado e considerado na versão sempre que possível.

Lembrando que a contagem de sílabas deve ser feita de ouvido ou seguindo a partitura (uma nota para cada sílaba), pois a contagem das sílabas poéticas tradicionais não leva em conta que a música é feita para ser ouvida, e não lida.

Rima

A estrutura de rimas da canção original deve ser observada cuidadosamente pois, por vezes, existem rimas internas que passam desapercebidas numa primeira análise. Existem esquemas rítmicos que fazem com que a rima seja esperada pelo público e, por isso, devem ser respeitadas.

Deve-se evitar repetir sempre as mesmas rimas. No português é fácil rimarmos verbos e isto torna a rima, de certa forma, previsível para a plateia. Se você quer manter a atenção do ouvinte, é necessário surpreende-lo, sempre que possível, com rimas criativas e inesperadas.

Apesar destes cinco critérios cobrirem muito do que precisa ser analisado na maioria das canções, estamos falando de arte. Existem canções específicas em que adaptações no método precisam ser feitas, como em School song do musical Matilda,onde a pronúncia das letras do alfabeto estão ocultas em cada verso, ou A lovely night de Cinderella de Rodgers e Hammerstein, onde a repetição sonora de fonemas (aliteração) traz uma nova vida ao verso “A finer night you know you’ll never see” e precisa ser considerado na versão (Quem sabe “Que em sonhos sabe ser real”?).

Alguns estudiosos no assunto, como Henry S. Drinker sugerem um sexto critério, chamado de “espírito” ou “inspiração” que trata daquele “não sei o quê” que torna a canção interessante. Apesar de ser difícil de explicar, isto indica que se existe algo que faça você gostar de um determinado trecho de uma canção, pare para analisar, pois é desejável que isto, seja lá o que for, também esteja presente na versão.

E é importante deixar claro que, por mais que seja o ideal, é praticamente impossível fazer uma versão que atenda ao mesmo tempo com perfeição os cinco critérios que abordamos. Como diz o versionista Carlos Rennó:

“Traio um verso para não trair uma estrofe, traio uma estrofe para não trair o poema. Assim, traindo sempre, não traindo nunca, concilio dois desejos cuja realização é fundamental na concepção do trabalho: o de rigor e o de liberdade.

Você se interessa por versões em português? Conheça o site www.musicalembomportugues.com.br e tenha acesso a um acervo que não para de crescer!


[1] Extraído do filme documentário Six by Sondheim (2013) produzido pelo canal HBO.

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Os musicais que mudaram a Broadway

Tudo muda. E assim como nossa cultura evolui com o passar dos anos, o teatro musical também foi se adaptando para conseguir chamar a atenção do público. O que era suficiente para atrair as plateias no século passado talvez não seja o bastante hoje em dia. Através de exemplos, vamos acompanhar como o teatro musical evoluiu de um emaranhado de canções independentes para o complexo espetáculo integrado que esgota ingressos noite após noite na Broadway.

1866 – The black crook

“O vigarista negro”
475 apresentações
Considerado o primeiro musical americano

Poster de “The black crook”, representando a cena final onde as amazonas destroem as forças do mal.

Introduziu conceitos como múltiplas trocas de cenário e grandiosas coreografias, ambas tendo supostamente acontecido por conta de um incêndio que desabrigou uma companhia de balé, seus cenários, figurinos e bailarinas foram incorporados na produção de The Black Crook.

Bateu recordes ao ficar em cartaz por mais de um ano, feito surpreendente para a época. Mostrou que havia público para musicais extravagantes e que produtores podiam investir neste tipo de entretenimento.

Nem sempre é considerado como o primeiro teatro musical, pois a história era apenas uma desculpa para trazer uma série de números musicais exagerados sem aparente relação com o enredo. Era descrito como “Um drama original, grandioso, romântico mágico e espetácular em quatro atos, 17 cenas.”

Mais informações (em inglês) em:
https://www.musicals101.com/1860to79.htm

1915 – Very good Eddie

“Muito bem, Eddie!”
341 apresentações
O enredo começa a ganhar importância

Pôster da produção de 1976 no West End londrino.

Foi o primeiro musical de sucesso da série que ficou conhecida como “Musicais do Princess Theater”. A música, composta por Jerone Kern, não soava “importada” e o teatro pequeno favoreceu uma atuação menos caricaturada, promovendo uma maior identificação da plateia.

A maioria dos musicais anteriores era apenas um aglomerado de números não integrados, que usava canções pré-existentes e trazia danças irrelevantes para o enredo. Este é considerado o primeiro musical de sucesso a ter uma narrativa coesa.

Nem sempre é considerado como um teatro musical pois o texto só bastava para contar a história, e era forte o suficiente para manter o público entretido sem o auxílio da música. Era descrito como uma comédia musical.

Mais informações (em inglês) em:
https://www.nypl.org/blog/2013/04/02/musical-month-very-good-eddie

1927 – Show boat

“Barco de espetáculos”
572 apresentações
A música começa a contar a história

Cena da produção original da Broadway (Theatre Magazine Company/White Studio)

A história, baseada num livro, foi o ponto de partida para a criação das músicas e das letras. Com partitura de Jerome Kern e letras de Oscar Hammerstein II, as canções agora serviam para avançar a história. As letras refletiam os pensamentos dos personagens e não eram apenas “para divertir”, pelo contrário, abordavam assuntos como segregação racial, infelicidade no casamento e alcoolismo.

Agora, a música avança a história, e é parte integrante do espetáculo. O sucesso comercial de um “drama musical” fez produtores voltarem seus olhares para assuntos mais sérios. É considerada a primeira vez onde um elenco composto de brancos e negros apareceram lado a lado num musical da Broadway.

Por ser o primeiro musical de sucesso a integrar texto e música, pode ser considerado o primeiro teatro musical da história americana.

Mais informações em:
https://sites.google.com/site/musicalembomportuguesintro2/material-teorico/historia-do-teatro-musical/9-show-boat—um-marco-na-historia-do-teatro-musical

1931 – Of thee I sing

“Sobre você eu canto”
441 apresentações
O musical é levado a sério

Capa do álbum com o elenco original da Broadway

Com letra e música dos Irmãos Gershwin, é uma sátira política que conta a história de um presidente dos Estados Unidos que quase sofre impeachment por quebrar uma promessa eleitoral ao se casar com a mulher que ama. Foi o musical da década de 1930 que mais tempo ficou em cartaz.

Foi o primeiro musical a receber o Prêmio Pulitzer de Drama, um dos mais importantes numa época em que o Tony não existia, mostrando que musicais com um texto coeso não era apenas sucesso de público, mas também de crítica.

Mas com a chegada de uma grande depressão econômica e da Segunda Guerra Mundial, o interesse do público voltou para as produções cômicas e extravagantes, onde a plateia podia escapar da dura realidade.

Mais informações (em inglês) em:
http://gershwin.com/publications/of-thee-i-sing/

1943 – Oklahoma!

2.212 apresentações
Música, dança e texto juntos contando a história

Playbill da produção original de 1943.

O letrista Oscar Hammerstein II se une ao compositor Richard Rodgers para definitivamente criarem o musical integrado, onde música, texto e dança contam a história. Tudo foi minunciosamente pensado e revisado.

Além da música servir ao enredo, a equipe criativa teve toda a liberdade para escolher detalhes como figurino, cenário e escalação de elenco, sem muita interferência da produção, que ficou satisfeita pois a temporada “infindável” rendeu 2.500% de retorno de investimento.

Oklahoma! se tornou o exemplo. A “fórmula” do musical integrado se consolidou e mais produtores se interessavam pelo Teatro Musical, atraídos pela perspectiva de ficar anos em cartaz.

Mais informações (em inglês) em:
http://musicals101.com/1940bway2.htm

1948 – Kiss me Kate

“Beija-me, Kate”
No Brasil “Dá-me um beijo” ou “O beijo da megera”
1.077 apresentações
Primeiro prêmio Tony de Melhor Musical

O elenco da montagem original de Kiss me Kate: Patricia Morison, Alfred Drake, Lisa Kirk e Harold Lang. (Playbill)

Até Cole Porter que, apesar de genial, fez fama compondo canções sem se preocupar em encaixá-las na história nas comédias musicais da década de 1930, deu o braço a torcer e criou uma obra-prima fazendo as letras de suas canções ecoarem na voz dos personagens.

Foi o primeiro a receber o prêmio Tony de Melhor Musical, hoje reconhecidamente o prêmio mais importante do Teatro Musical Americano, além de ter sido um dos pioneiros na introdução de microfones no palco, o que mudaria para sempre a forma como os musicais soariam.

O curioso é que os microfones, nesta época, ainda precisavam ser colocados de forma discreta, pois não eram vistos com bons olhos pela plateia. Levaria ainda algumas décadas para que a amplificação mecânica se tornasse aceita (e até desejada) pelo público.

Mais informações (em inglês) em:
https://www.loc.gov/static/programs/national-recording-preservation-board/documents/KissMeKate.pdf

1956 – My fair lady

“Minha bela dama”
2.717 apresentações
O céu o limite

Foi o primeiro musical a ultrapassar Oklahoma! em número de apresentações, o compositor Frederick Loewe e o letrista Alan Jay Lerner se provaram melhores que Rodgers & Hammerstein na fórmula que eles mesmos criaram.

1957 – West side story

“Conto da zona Oeste”
732 apresentações
Elenco principal precisa dançar


Carol Lawrence, a direita, como Maria, e Chita Rivera, como Anita, na montagem original de West Side Story. (Associated Press)

Baseado em “Romeu e Julieta” de Shakespeare, o musical tem Jerome Robbins como diretor e coreógrafo, que fez a coreografia combinar a música de Leonard Bernstein com as brilhantes letras de Stephen Sondheim de forma completamente integrada, por vezes substituindo o diálogo.

O que começou com a coreógrafa Agnes DeMille em Oklahoma! encontrou aqui sua plenitude, com grandes porções do musical completamente coreografadas. Aqui se iniciou uma cobrança maior dos artistas de musical. Além de cantar e atuar bem, eles precisavam dançar junto com o coro.

O musical não foi um sucesso comercial tão grande quanto seus predecessores, mas pavimentou o caminho para o aumento da qualidade técnica dos atores principais e da integração completa da dança. Curiosamente, o filme de 1961 obteve maior êxito que o musical, e o álbum da trilha sonora foi, por dois anos seguidos, o álbum mais vendido nos EUA.

Mais informações (em inglês) em:
https://www.nydailynews.com/entertainment/theater-arts/west-side-story-recounts-romeo-juliet-1957-article-1.2368364

1966 – Cabaret

“Cabaré”
1.165 apresentações
O triunfo do musical conceitual

Com canções que claramente tinham algo a dizer, Cabaret foi o primeiro musical de sucesso a experimentar o “Musical Conceito”, que rejeita a narrativa linear e as músicas não necessariamente avançam a história, mas precisam todas estar inseridas dentro de um contexto no universo criado pelo musical. Houveram outros exemplos no passado, como A Ópera dos Três Vinténs e Allegro, mas Cabaret abriu as portas para outros musicais conceito como Company e Cats.

1968 – Hair

“Cabelo”
1.750 apresentações
Um som popular

James Rado (centro) interpretando Claude, junto com o elenco original da Broadway.

As canções de musical já não chegavam ao topo das paradas de sucesso e o rock havia tomado conta das rádios. Apesar de não ter sido o primeiro, Hair inovou ao trazer o som que o público queria ouvir.

Hair trouxe uma nova plateia para a Broadway e chocou ao mostrar no palco os conflitos da sua época como a revolução sexual. Provou que a fórmula inventada por Rodgers e Hammerstein em 1943 precisava ser modernizada.

Mas Hair não possui um roteiro coeso e interligado com a música, e musicais semelhantes não obtiveram o mesmo êxito, provando que a Broadway precisaria se reinventar, mas não ignorar completamente o seu passado.

1971 – No, no, Nanette (revival)

“Não, não, Nanette”
861 apresentações
A nostalgia das remontagens

Com a maioria dos compositores experimentando novas fórmulas, os revivals (remontagens de musicais do passado) aumentaram em popularidade, principalmente entre os turistas mais velhos. No, no, Nanette iniciou esta onda por revivals de musicais nostálgicos, comumente adaptados, principalmente no roteiro, para se beneficiar das “fórmulas de sucesso” comprovadas ao longo dos anos. Apesar de ter ficado relativamente pouco tempo em cartaz na Broadway, Nanette fez milhões em turnês nacionais, produções estrangeiras e em direitos para montagens acadêmicas.

1972 – Grease

“Brilhantina”
3.388 apresentações
O rock contando história


Os “T-Birds” do elenco original da Broadway

Grease percebeu o que faltava em Hair e trouxe uma história com começo meio e fim, falando com os adolescentes da época, que lotavam a plateia. A montagem original era mais crua e vulgar, exatamente o que o público alvo queria ver. O filme de 1978, apesar de grande sucesso de bilheteria, deixou o musical mais “leve”, e é com esta cara, em um formato censurado, quase infantil, que o conhecemos atualmente.

A produção foi esperta em diminuir ao máximo os custos de produção, favorecendo com que o musical batesse todos os recordes ficando em cartaz por 8 anos. Isto também favoreceu para que inúmeras produções pipocassem por todo o mundo.

O balanço entre a arte e o comercial começava a ser testado ao limite, e as produções aceitavam que, se o que querem é um musical que fique muito tempo em cartaz, é preciso entregar ao público o que ele quer ver.

Mais informações (em inglês) em:
http://www.newlinetheatre.com/greasechapter.html

1975 – A chorus line

“A linha do coro”
6.137 apresentações
O limite da exigência técnica


A icônica imagem do número final de “A chorus line” com o elenco original da Broadway

O diretor e coreógrafo Michael Bennett construiu todo o espetáculo a partir de gravações de depoimentos de artistas explicando como começaram a dançar. Foi o musical conceitual de maior sucesso ficando 15 anos em cartaz.

Não havia distinção entre coro e personagem principal. A exigência técnica de Bennett trouxe para o centro do palco artistas completos, que cantavam, dançavam e atuavam impecavelmente.

O artista de teatro musical completo já havia começado a surgir no passado, como foi em West side story, mas foi com A chorus line que isto se tornou praticamente uma obrigação nos musicais subsequentes.

Mais informações (em inglês) em:
http://musicals101.com/chorus1.htm

1980 – 42nd Street

“Rua 42”
3.486 apresentações
Musicais baseados em filmes

42nd Street mostrou que musicais baseados em filmes podem fazer sucesso, abrindo portas para shows como The producers e Hairspray. A jogada de marketing do produtor do espetáculo, que noticiou a morte do diretor Gower Champion quando a cortina se fechou na noite de estreia, gerou tanta divulgação espontânea para o espetáculo e trouxe tanto público que mostrou como o marketing pode ajudar na bilheteria de um espetáculo.

1981 – Dreamgirls

“Garotas dos sonhos”
1.521 apresentações
A integração chega ao seu ápice

Com uma encenação quase cinematográfica, com cenário, iluminação e atores se movendo em conjunto, sempre avançando a narrativa, este musical é uma excelente representação do que um “super diretor”, que comanda todos os aspectos do musical (inclusive a coreografia), pode conseguir num musical totalmente integrado.

1982 – Cats

“Gatos”
7.485 apresentações
Marketing

A característica capa do álbum de Cats: dois olhos com bailarinos em suas pupilas.

O britânico Andrew Lloyd Webber trouxe para a Broadway um musical praticamente sem enredo, mas não foram poupados gastos na publicidade. Os olhos brilhantes da logomarca do espetáculo estavam espalhados por toda a parte. A canção “Memory” podia ser ouvida em todo lugar.

Todos queriam vivenciar aquele espetáculo de perto e, pagando alguns dólares a mais, levar para casa uma lembrança. Antes, só era comum vender o programa, partitura e o álbum da peça. Cats começou a febre de se vender praticamente de tudo na lojinha do musical.

Cats foi praticamente um evento social. Quem viveu em sua época queria fazer parte daquela experiência. O turista que tinha tempo de ver apenas um show para assistir, apostava no que todos estavam assistindo, independente da sua qualidade.

Mais informações (em inglês) em:
https://www.vulture.com/2019/12/how-cats-changed-broadway-now-and-forever.html

1987 – Les misérables

“Os miseráveis”
6.680 apresentações
Os mega musicais britânicos contam história

O produtor Cameron Mackintosh entendeu que uma boa história era sempre bem-vinda para conseguir emocionar. Os mega musicais britânicos se voltaram para a fórmula dos musicais integrados para construir os grandes sucessos da década.

1988 – The phantom of the opera

“O fantasma da ópera”
Mais de 13.370 apresentações
Um novo padrão é criado


A máscara do fantasma, tão reconhecida mundialmente, graças a esforços massivos de publicidade.

Mais uma vez Andrew Lloyd Webber emplacou um sucesso duradouro (e lucrativo) na Broadway. Seu segredo? Misturar a sua fórmula de sucesso com a fórmula de Rodgers e Hammerstein, acrescentando uma história integrada à música.

Agora os mega musicais também contavam história! Apenas jogar o dinheiro no palco e para impressionar e investir em publicidade funcionou com Cats, mas uma história com começo, meio e fim contribuiu bastante para deixar o “fim” da temporada bem distante.

Se apresentando em horários alternativos, o que atrai os turistas quando outros shows não se apresentam às segundas, por exemplo, modelar os preços de acordo com a demanda, uma rigorosa escalação de elenco e um esforço contínuo para manter o musical em perfeitas condições ajudou o espetáculo a ficar quase que eternamente em cartaz.

Mais informações (em inglês) em:
https://variety.com/2018/voices/columns/phantom-of-the-opera-broadway-1202680742/

1994 – Beauty and the Beast

“A Bela e a Fera”
5.461 apresentações
As grandes corporações investem em musicais

Quem melhor do que a Disney para competir com os mega musicais britânicos que estavam invadindo a Broadway? Uma vez provado que os lucros podem ser substanciais, A Bela e a Fera abriu caminho para que outras grandes empresas viessem investir neste mercado.

1996 – Rent

“Aluguel”
5.123 apresentações
Um som jovem


O elenco original da Broadway de Rent (Joan Marcus)

A história se repete. Enquanto mega musicais britânicos e corporativos invadiam a Broadway, Jonathan Larson traz aos palcos um som jovem, atual, falando dos problemas atuais, assim como fez Hair em 1968, mas com uma diferença significativa: a história tinha começo meio e fim.

Rent renovou o público da Broadway e mostrou que existe espaço para todo mundo. Uma história bem contada, com personagens identificáveis pode levar a uma temporada de sucesso sem a necessidade de se jogar dinheiro no palco com helicópteros ou lustres que caem.

Mas apesar de ter uma cara de “musical independente”, Rent foi um risco calculado. O musical foi cultivado pela New York Theater Workshop durante um ano e cada passo foi minunciosamente pensado, incluindo a “falta de informação” para fazer o público achar que o compositor do musical havia morrido em decorrência do HIV na noite de estreia. Tudo pelo marketing!

Mais informações (em inglês) em:
https://www.playbill.com/article/the-creation-of-rent-how-jonathan-larson-transformed-an-idea-into-a-groundbreaking-musical

2001 – The producers

“Os produtores”
2.502 apresentações
A comédia musical retorna à Broadway

Com nada menos que 12 prêmios Tony, The producers mostrou que a comédia musical tinha seu lugar na Broadway. É curioso pensar que estaríamos “voltando às origens”, já que antes, com a falta de um texto coeso, os musicais eram chamados de “comédias”, mas esta nova comédia musical possuía uma história coesa, mesmo que algumas canções e diálogos servissem apenas ao propósito de fazer a plateia rir (o que era muito bem visto numa época pós atentado de 11 de Setembro).

2001 – Mamma mia!

“Minha mãe”
5.758 apresentações
A invasão dos musicais Jukebox


Da esquerda para direita: Cashelle Butler, Betsy Padamonsky e Sarah Smith, na turnê de Mamma Mia.

Ao invés de fazer um “tributo musical” ou o show de uma banda cover, a produtora Judy Craymer se juntou à escritora Catherine Johnson e à diretora Phyllida Lloyd para juntas criarem um musical embalado nas famosas canções do grupo ABBA.

Mamma Mia! não foi o primeiro musical jukebox, que utiliza canções pré-existentes para contar sua história, mas seu comprometimento em tentar um texto coeso e integrado à música, mostrou que a fórmula pode funcionar, o que abriu as portas para inúmeros outros musicais semelhantes.

O curioso é que, mesmo tentando se distanciar da fórmula consolidada em Oklahoma! lá em 1943, muitos dos aspectos que fizeram deste musical um sucesso são repetidos nos musicais atuais. Alguns em maior ou menor intensidade, mas ainda presentes.

Mais informações (em inglês) em:
https://mamma-mia.com/show-history.php

2003 – Avenue Q

“Avenida Q”
2.534 apresentações
A comédia musical retorna à Broadway

Indo na contramão dos mega musicais com alto orçamento, Avenida Q mostrou que se o musical tivesse um “Q” a mais, ele também podia fazer sucesso na Broadway. Os atores dividem o palco com bonecos, mas não deixe que eles te enganem, o show não é infantil e aborda temas “sutis” como pornografia na internet. Vale lembrar que ele levou o Tony de melhor musical, ganhando de Wicked.

2015 – Hamilton

Mais de 1.919 apresentações
Um novo ritmo


As irmãs Schuyler (Foto: Joan Marcus)

Seguindo o caminho de In the Heights, Lin-Manuel Miranda conta em rap/hip-hop a história da independência e unificação dos Estados Unidos num momento onde a Broadway estava sendo invadida por mega musicais britânicos e corporativos. Seu som atual traz plateias mais jovens para a Broadway, ajudando a formar um novo público e lotar a casa.

Para manter sua popularidade, Hamilton procurou estar sempre na mídia, lançando uma estratégia publicitária atrás da outra, abusando das redes sociais. A venda antecipada de ingressos criou um ciclo vicioso: quanto menos ingressos disponíveis, mais o publico correu atrás, e os lugares se esgotavam com meses de antecedência. Com os ingressos mais caros custando em torno de $900, Hamilton se tornou o sonho de qualquer investidor.

Mas será que uma história tão norte-americana poderá replicar o seu sucesso ao redor do mundo? Somente o tempo (e uma temporada no West End) poderão dizer. Mas o musical provou, mais uma vez, que trazer para o público o que ele quer ouvir pode significar o sucesso de um musical.

Mais informações (em inglês) em:
https://www.theguardian.com/stage/2016/may/03/hamilton-tony-awards-broadway-lin-manuel-miranda


Texto de Rafael Oliveira
Caso se interesse por textos sobre a história do teatro musical, leia mais em:
https://sites.google.com/site/musicalembomportuguesintro2/material-teorico/historia-do-teatro-musical